quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A revolução da brevidade

Luís Roberto Barroso*

Toda área do conhecimento humano tem a sua beleza, as suas circunstâncias e as suas
dificuldades. O mundo jurídico, tradicionalmente, debate-se com duas vicissitudes:
(a) a linguagem empolada e inacessível; e (b) os oradores ou escribas prolixos, que
consomem sem dó o tempo alheio. Verdade seja dita, no entanto, o primeiro problema
vem sendo superado bravamente: as novas gerações já não falam nem escrevem com a
obscuridade de antigamente.

De fato, em outra época, falar difícil era tido como expressão de sabedoria. Chamar
autorização do cônjuge de “outorga uxória” ou recurso extraordinário de
“irresignação derradeira” era sinal de elevada erudição. Hoje em dia, quem se
expressa assim é uma reminiscência jurássica. Nos dias atuais, a virtude está na
capacidade de se comunicar com clareza e simplicidade, conquistando o maior número
possível de interlocutores. A linguagem não deve ser um instrumento autoritário de
poder, que afaste do debate quem não tenha a chave de acesso a um vocabulário
desnecessariamente difícil.

Essa visão mais aberta e democrática do Direito ampliou, significativamente, a
interlocução entre juristas e tribunais, de um lado, e a sociedade e os meios de
comunicação, de outro. Não se passam dois dias sem que a notícia de algum julgado
importante esteja nas primeiras páginas dos jornais. Pois agora que finalmente
conseguimos nos comunicar com o mundo, depois de séculos falando para nós mesmos,
está na hora de fazermos outra revolução: a da brevidade, da concisão, da
objetividade. Precisamos deixar de escrever e de falar além da conta. Temos de ser
menos chatos.

Conta-se que George Washington fez o menor discurso de posse na presidência dos
Estados Unidos, com 133 palavras. William Harrison fez o maior, com 8.433, num dia
frio e tempestuoso em Washington. Harrison morreu um mês depois, de uma gripe
severíssima que contraiu naquela noite. Se não foi uma maldição, serve ao menos como
advertência aos expositores que se alongam demais. Tenho duas sugestões na matéria.

A primeira importa em cortar na própria carne. Petições de advogados devem ter um
limite máximo de páginas. Pelo menos as idéias centrais e o pedido têm que caber em
algo assim como vinte laudas. Se houver mais a ser dito, deve ser junto como anexo e
não no corpo principal da peça. Aliás, postulação que não possa ser formulada nesse
número de páginas dificilmente será portadora de bom direito. Einstein gastou uma
página para expor a teoria da relatividade. É a qualidade do argumento e não o
volume de palavras que faz a diferença.

A segunda sugestão corta em carne alheia. A leitura de votos extremamente longos,
ainda quando possa trazer grande proveito intelectual para quem os ouve, torna os
tribunais disfuncionais. Com o respeito e o apreço devidos e merecidos – e a
declaração é sincera, e não retórica –, isso é especialmente verdadeiro em relação
ao Supremo Tribunal Federal. Registro, para espantar qualquer intriga, que o
tribunal, sob a Constituição de 1988, vive um momento de virtuosa ascensão
institucional, com sua composição marcada pela elevada qualificação técnica e pelo
pluralismo. Todos os meus sentimentos, portanto, são bons, e o comentário tem
natureza construtiva.

O fato é que, nas sessões plenárias, muitas vezes o dia de trabalho é inteiramente
consumido com a leitura de um único voto. E a pauta se acumula. E o pior: como
qualquer neurocientista poderá confirmar, depois de certo tempo de exposição, os
interlocutores perdem a capacidade de concentração e a leitura acaba sendo para si
próprio. Não há problema em que a versão escrita do voto seja analítica. A
complexidade das questões decididas pode exigir tal aprofundamento. Mas a leitura em
sessão deveria resumir-se a vinte ou trinta minutos, com uma síntese dos principais
argumentos. Ou, em linguagem futebolística, um compacto com os melhores momentos.

A revolução da brevidade tornará o mundo jurídico mais interessante e a vida de
todos nós muito melhor. Quem sabe um dia não chegaremos à capacidade de síntese do
aluno a quem a professora determinou que escrevesse uma redação sobre “religião,
sexo e nobreza”, mas que fosse breve. Seguindo a orientação, o jovem produziu o
seguinte primor de concisão: “Ai meu Deus, como é bom, disse a princesa ainda
ofegante”.

*Advogado do escritório Luís Roberto Barroso & Associados

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