domingo, 20 de setembro de 2009

Doutrina das Ações - Corrêa Telles

"INTRODUCÇÃO
Sirvão de Introdução as reflexões seguintes:
1a que o estudo das Acções é tão importante que ninguém, ignorando-as, sabe quantas vantagens lhe-resultão do estado sociál; pôis as Acções são os remedios, que as Leis nos-dão para havêrmos o nosso de mãos alhêias, ou para obrigarmos os outros a nos-cumprirem, o de que tem obrigação perfêita.
2a Que é preciso sabêr os nomes de tôdas as Acções, porquanto, ainda que, quando se-intentão, não se-exija declarar os nomes d'ellas (1), é comtudo indispensavel a Juizes, e Advogados, conhecêrem-nas, não menos pelos nomes, que pelos effêitos. Como poderão consultar as Lêis, e os Doutôres que tratarão a materia, se nem o nome jurídico souberem?
3a Que não basta sabêr, que n'êste, ou n'aquêlle caso, compete esta, ou aquella Acção; é preciso sabêr, quantas se-podem intentar para obtêr o mêsmo fim; para que se-cumulem, se fôrem compatíveis; ou para que se-escôlha a mais comoda, se fôrem incompatíveis (2).
4a Que é não menos conveniente sabêr, quando a Acção se-pode intentar contra uma só pessôa, e quando é forçôso intental-a contra pessôas diversas; porque dão incomparavelmente maiór enfado as demandas em que os réos são muitos (3).
5a Que é preciso considerar a tempo, se a Acção intentada vai, ou não, errada; para desistir, emquanto as custas são poucas, e mudar para a Acção mais idonea (4).
6a Que nenhum Alumno, apenas acaba seus estudos na Universidade, deve-se logo têr por habil para julgar, e advogar, sem primeiro lêr e praticar muito (5); e nenhuma coisa deve temêr tanto qualquér principiante, como intentar qualquér Acção, sem primeiro reflectir maduramente sôbre o direito do autôr, e sôbre o mêio de que mais convém usar (6).
(1) O uso de intentar as acções, sem declarar no Libello seus nomes, é devido á introdução das Decretáes; é antigo, tanto no nosso Fôro, como nos da Europa tôda. D'este uso nasceu o abuso de Advogados negligentes fazêrem muitas vêzes Libellos, sem sabêrem se o que n'êlles pedem tem, ou não, fundamento. Se acertão uma vez, errão trêz: De onde o proverbio, - articule quem soubér, arrazôe quem quizér -.
(2) Dizem-se mais commodas as Acções melhores de provar, ou as que têm um processo mais summario. Por isso a L.24, D. de reiwind, disse mui bem que melhór é vêr, se obtemos a posse por algum interdicto, do que usarmos da reivindicação. A Publiciana é melhor de provar que a reivindicação, e portanto é sempre util cumulal-as. Depôis que me dér por esbulhado, já não posse insistir na posse; e portanto é quasi sempre melhór intentar a acção Uti possidetis que a acção Unde vi.
(3) O Cabêça de Casál, antes de fêitas as partilhas, pode demandar, e sêr demandado, in solidum, por acção nova. O Censoista póde pedir o censo a um dos muitos possuidôres das fazendas oneradas com a prestação d'êlle. O credôr de defunto pode demandar o herdêiro vendedôr da herança, ou o compradôr, que com pacto de lh'a-pagar a-comprou, como lhe-conviér mais.
(4) Ainda na Replica pode o Autor mudar de Acção, desistindo da intentada, e pagando as custas fêitas. Porém desistir da lide começada com protesto de ficar salva a mesma Acção, nem sempre é permitido.
(5) Usus frequens (disse Cícero) omnium magistrorum praecepta superat. (*) E Quintiliano: Plus usus sine doctrina, quam dectrina sine usu, valet. (**) Aquêlles que, mal conseguindo as Cartas, fêchão para sempre os Livros, são homens muito perigosos, se exercitão o Fôro. O mais, em que se-adêstrão, é, em esgaravatar uma demanda, urdir uma cavilação, subtilizar uma trampa, inventar um engano, e fazêr uma rêde de bulras para enrendar as partes:Heit Pinto Dialogo da Discreta Ignorancia Cap. 8.
(6) De o não fazerem muitos são victimas as partes. A nenhum Advogado é indecorôso consultar outros. E os principiantes forrão muito trabalho, ouvindo os parecêres de algum Advogado de luzes, e probidade; sendo velho, melhór. Costuma-se dizer - plus valet umbra senis, quam sapientia juvenis (***)-. E se não deixarem perdêr dia nenhum, sem que aprovêitem ao menos um ponto, como Cícero disse que fazia Bruto, e o-fôrem notando em Livro de lembranças, em poucos annos possuirão um thesouro, e livrar-se-hão do enfado de rebuscar o que tiverem lido, quando lhes-fôr preciso. Este livro é parte dos meus apontamentos durante a adolescencia, e, se servir de estimulo aos meus Collegas, para melhór cultivarem a seára da Jurisprudência Nacionál com o adubio das Lêis Romanas, haverêi por bem empregado o tempo gasto em o-recopilar; senão, sirva pêlo menos a quem:
Sat compendiolum, sat parvudus index
Curtae notitiae, perpauca vocabula juris
Et notae quaedam normae, et generalia dicta,
Non collecta libris, sed paene eccepta per aures."
(Basta o pequeno compêndio, basta o pequeno índice
Bastam as pequenas notícias, os pouquíssimos termos jurídicos
E algumas leis conhecidas e ditames gerais,
Não reunidos em livros, mas apenas recebidos pelo ouvido.)
(*) - O uso freqüente supera os preceitos de todos os mestres.
(**) - Mais vale o uso sem a doutrina, do que a doutrina sem o uso.
(***) - Vale mais a sombra do velho, do que a sabedoria do moço.
(CORRÊA TELLES, José Homem, "Doutrina das Ações", 1902, H.Garnier, Livreiro-Editor, Introdução, p. VII a IX, accommodada ao Fôro do Brasil por Augusto Teixeira de Freitas).

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