sábado, 20 de março de 2010

E por falar em Justiça...

Danilo Pereira Borges (*)

Talvez tenha sido o vedetismo da CPI do Judiciário, com seus fortes e
lamentáveis fatos, que nos fez lembrar que a justiça mínima de que
precisamos para viver com dignidade, ainda se ache tão longe do seu devido
lugar.

Depois que tivemos a versão exata de que pessoas diretamente ligadas ao
Poder Judiciário, ou sejam, pessoas que, mais do que ninguém, deveriam
manter uma conduta honrada, canalizam o dinheiro público para as suas
contas em paraísos fiscais do exterior, bate sobre nós um desalentador
estado de desesperança e de falta de perspectivas para o nosso sonhado
futuro.

Foi com temor de tal situação que o grande Mortara um dia deixou anotado
em seus escritos: “Se os resultados da função jurisdicional não fossem
assegurados pela honestidade, imparcialidade e diligência dos juízes,
inútil seria pôr o mais profundo estudo e a mais meditada cautela a
serviço de construir, com os mais sólidos materiais e segundo as melhores
regras da arquitetura, o edifício da hierarquia judiciária.
Uma quadrilha de salteadores que escolhesse para teatro de seus impunes
delitos nobre e suntuosa hospedaria, cuja exterioridade atraísse incautos
viandantes, sequiosos de repouso e de conforto, representaria para a
sociedade perigo bem menos grave que o de um bando de homens sem
consciência e sem honra, acoitados no sagrado abrigo da justiça.”

Nós já estamos meio acostumados – custo a crer que tenho e devo dizer isso
– com a falta de justiça em doses menores, como o retardamento das
sentenças, a demora das soluções judiciais em razão da falta de juízes
para o volume das nossas demandas. Um processo na Justiça Federal em Minas
Gerais chega ao descalabro de demorar até seis meses para receber um
simples despacho. Uma cautelar que propus na mesma Justiça Federal teve
que aguardar 11 inacreditáveis meses para receber o despacho liminar. Um
processo devidamente instruído na Justiça comum depende, por mais de ano,
da esperada sentença.

Como é de necessária obviedade, todo ato processual tem um prazo
estabelecido em lei para ser praticado. E esses prazos não são longos. São
de exatos tamanhos, mas precisam ser respeitados. Não são eles que
retardam a prestação jurisdicional. Mas os juízes não os cumprem. Os
representantes do Ministério Público, numa escala infinitamente menor,
podem deixar de cumpri-los. Se a secretaria judicial está sobrecarregada
de serviços ou com falta de funcionários, também atrasa na pratica dos
atos. Os oficiais de justiça e outros auxiliares da justiça não sofrem de
qualquer sanção processual quando desobedecem os prazos previstos na lei.
Se tem alguém que não pode perder qualquer prazo, essa pessoa é o
advogado. Pratique o advogado um ato fora do prazo previsto e uma legião
de guardiães da lei desaba sobre ele querendo o desentranhamento de sua
fala, de sua peça. Desde o advogado da parte contrária até o mais simples
serventuário da justiça. Parece que a preclusão só existe para o advogado.
Agora vejamos: a voz do populacho fará, com freqüência, esta afirmação:
“Meu processo não anda porque o meu advogado é um ‘enrolado’.”

A Ordem dos Advogados do Brasil, atenta à reforma do Judiciário, entre as
suas propostas fixou, como pontos principais, a celeridade processual,
vale dizer, a inserção entre os direitos e garantias fundamentais (art. 5o
da CF) da prerrogativa de razoável duração do processo judicial; como
também a rapidez nos processos, pedindo a brevidade nos atos processuais
que passa a ser obrigatória. E o excesso de prazo (a ser fixado em lei)
sem motivação, acarretará, automaticamente, o afastamento do juiz da
respectiva causa. Além disso, o magistrado que não cumprir o prazo legal
para o exame do processo perde o direito a promoções, aposentadoria por
tempo de serviço e gozo de férias.

É altamente desconfortável ouvir um juiz do Superior Tribunal do Trabalho
invocar, numa investigação acerca de administração de dinheiro público a
seu cargo, inúmeras vezes, o direito constitucional do silêncio em torno
de uma prestação de contas que, na realidade, deveria ter sido feita
independentemente de ser, para isso, cobrado.

Quando damos pelas coisas, a palavra Justiça vai perdendo o seu brilho, a
sua magia, a sua graça. Passa a ser um estado inatingível, um sonho, uma
loteria. E ainda estranham e reclamam dos que fazem justiça pelas próprias
mãos.

Gandi teria afirmado que se Deus tiver que aparecer para os famintos, não
seria de outra forma, senão como um prato de comida. Diante do calamitoso
estado de falta de pronta justiça para os cidadãos desse nosso sofrido
povo, faminto de justiça, é razoável esperá-Lo em forma de uma balança,
como uma maneira de recuperação da crença e da fé de que ainda podemos
salvar as relações humanas. Por que se não for por isso, não tem o menor
sentido continuar acreditando dela.

(*) Danilo Pereira Borges é advogado, Conselheiro da OAB-MG e professor
universitário da UNIMONTES.